Conversas gravadas e documentos mostram como funcionava sistema para fraudar compras em prefeituras
Iniciada há cerca de um ano, a investigação do MP-GO apurou irregularidades em licitações e em contratos para fornecimento de remédios e materiais hospitalares envolvendo 19 municípios: Aloândia, Aragarças, Araguapaz, Carmo do Rio Verde, Corumbaíba, Cromínia, Goianira, Inaciolândia, Israelândia, Indiara, Luziânia, Matrinchã, Mozarlândia, Perolândia, Piranhas, Pires do Rio, Rialma, Rianápolis e Uruana.
Um prefeito telefonou
para a empresa fornecedora de medicamentos. Já havia recebido sua propina, mas
ainda estava preocupado. Afinal, o município havia recebido remédios próprios
para utilização em Unidades de Terapia Intensiva. O problema é que a cidade não
dispõe de UTIs e o risco da fraude ser descoberta parecia grande.
Conversas absurdas assim
foram flagradas pelas investigações do Ministério Público do Estado de Goiás
(MP-GO) na Operação Tarja Preta, deflagrada ontem. Transações ilícitas como
esta movimentaram pelo menos R$ 15 milhões somente neste ano, segundo o órgão ministerial,
e resultaram na prisão de 37 pessoas, entre elas 12 prefeitos. Entre as
ilegalidades, foi flagrado o superfaturamento na vendas de medicamentos, como o
antiepiléticos, Diazepan, Fenitoína e Longactil.
As investigações do MP-GO
indicam que as vendas fraudadas, viciadas, direcionadas e superfaturadas de
medicamentos começaram em 2012, durante o processo eleitoral. Nessa época, a
organização teria aliciado os agentes públicos. O financiamento da campanha era
condicionado à futura exclusividade no fornecimento de medicamentos ao
município. Conforme a apuração, 19 prefeituras goianas toparam o negócio e
participaram do esquema.
A cúpula da quadrilha era
composta por empresas com base em Goiânia, fornecedoras de medicamentos e
insumos farmacêuticos, hospitalares e odontológicos, segundo o MP-GO. Elas
teriam loteado o Estado, cada uma dominando uma área. Por meio de propina, elas
comandavam as licitações, inclusive elaborando os editais para beneficiar o
grupo e eliminar a concorrência. “A influência era tanta que, quando havia
falha no esquema montado, a licitação era cancelada”, disse o procurador geral
de Justiça, Lauro Machado.
Prefeito leva R$ 20 mil e assessor 10%
A garantia de exclusividade
nas vendas de medicamentos foi obtida pela organização criminosa mediante
pagamentos de propina, de acordo com Ministério Público do Estado de Goiás
(MP-GO). Os valores repassados aos agentes públicos eram embutidos nas notas
fiscais superfaturadas. Em uma delas, o valor que seria inicialmente cobrado –
provavelmente superfaturado – saltou de R$ 120 mil para R$ 146 mil depois de
uma conversa telefônica. No diálogo, o assessor de um prefeito liga para o
representante de uma das empresas envolvidas no esquema. Eles discutem o
faturamento de uma compra feita pela prefeitura. O agente público deixa claro:
o prefeito havia mandado incluir os “R$ 20 mil dele” na nota e ainda cobrou
para que não fosse esquecido os 10% do assessor.
As fraudes eram feitas nos
processos licitatórios, conforme a investigação. As empresas revezavam ao
vencer as licitações para não levantar suspeitas no MP-GO e no Tribunal de
Contas do Estado. Em alguns casos, havia dispensa ou inexigibilidade da
licitação, justificadas por uma urgência forjada, por uma necessidade
emergencial que de fato não existia. Itens como esparadrapos, seringas, agulhas
e luvas foram adquiridas dessa maneira. Coordenador do Centro de Segurança
Institucional e Inteligência (CSI) do Ministério Público, o promotor José
Carlos Miranda Nery diz que foram flagrados municípios de 3 mil habitantes com
estoque de insumos e medicamentos suficientes para uma população de 50 mil
pessoas.
Após fechada a compra, os
produtos eram buscados por um servidor da prefeitura. No recebimento da
mercadoria, um “vale” era assinado. “Os contratos eram informais, ninguém tinha
controle do que entrava e saia da prefeitura. Depois a fatura era cobrada”,
afirma o promotor. “Esses “vales” funcionavam como comprar fiado em uma
mercearia”, exemplifica o promotor. Mas nem tudo o que estava nele era de fato levado
ao município. O valor total das fraudes será descoberto após as análises dos
documentos coletados.
As investigações detectaram
vales de até R$ 600 mil. “referentes a aquisições com superfaturamentos que
chegam a 400%”, conforme explicação do promotor Juan Borges de Abreu, Grupo de
Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco).
A formalização dos
contratos ocorria posteriormente, por meio do braço jurídico da quadrilha. Um
grupo de advogados montava o procedimento para dar caráter de legalidade à
dispensa de licitação e justificar a emergência da compra dos medicamentos,
elaborando decretos com datas retroativas. Em um caso a aquisição dos
medicamentos superfaturados ocorreu em março, a falsificação dos documentos foi
em maio e a data forjada para janeiro.
Fonte: O Popular/Alfredo Mergulhão 16 de
outubro de 2013/Ricardo Rafael 16 de outubro de 2013 (quarta-feira)
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